quinta-feira, 22 de maio de 2014

A história da minha tatuagem, uma homenagem as mulheres africanas

Na semana passada recebi um e-mail perguntando seu eu poderia contribuir com um blog da escola de inglês que estudei no início desse ano. Claro que eu posso! Eu sempre amei escrever... Comecei a refletir sobre o que escreveria e acabei me dando conta que não atualizava o meu próprio blog há muito tempo... 
No meu primeiro post (5 de janeiro de 2011), eu disse o seguinte em relação a iniciar um blog: "Pensei em mil razões de por que fazer isso... talvez para mostrar para os meus amigos fotos e vídeos, ou para a família de que eu estou bem e me comportando, ou simplesmente para eu ter um registro de uma experiência que eu sei que de alguma forma vai me modificar..." E lendo esse primeiro post, tenho certeza que escrever no blog não é por um modismo, mas por um prazer de registrar coisas que eu vivi e que futuramente não irei me recordar.
Fiz uma lista de 10 posts (esse é o primeiro cronologicamente) que eu ainda gostaria de escrever e que nos próximos dias irei dedicar algumas horinhas para cada um deles:

1)      Malawi: lá tem rio ou tem mar?
2)      Zambia, verdadeiramente um National Geographic
3)      Praia de Savane
4)      Família na África: Johanesburgo, Sun City e Pilanesberg
5)      Ile Mauricie: praias paradísiacas, cultura exótica e luxuosos resorts
6)      Estados Unidos, porque Hollywood merece um post
7)      Songo, Casindira Lodge e Moringa Lodge
8)      Victoria Falls: um patrimônio da humanidade na África
9)      Cape Town, um belo início para 2014

Bom vamos para o post propriamente dito: A história da minha tatuagem, uma homenagem as mulheres africanas.

Sempre tive vontade de fazer uma tatuagem, mas certa vez ouvi de uma colega de trabalho a seguinte frase: "não adianta você ficar procurando por uma tatuagem perfeita, pois não é você quem vai decidir a tatuagem, é ela que escolherá você." Eu sempre fiquei com isso na cabeça, até que cheguei em Moçambique e me apaixonei pelos embondeiros. Embondeiro, imbondeiro ou baobá, nomes diferentes para descrever esse árvore que é símbolo de vida em terra seca.

"É enorme. E o largo tronco desproporcionado assenta em raízes grossas que se afundam poderosamente sugando o que será depois folhagem pequena e frutos para usar no caril. Quando se passa parece que se evola do vegetal gigante uma aura tranquila e protectora. Como se nos visse e nos cedesse um mínimo da sua alma de tempo. Os nativos consideram os embondeiros árvores sagradas. Acontece verem-se presos aos troncos rectângulos de pano branco e logo abaixo no chão uma tigela com oferendas - em lembrança de alguém. Não se cortam ramos de embondeiro para a fogueira. Apenas os frutos são colhidos porque no alimento haverá comunhão com a árvore." (Glória de Sant' Anna, poeta portuguesa que viveu grande parte da sua vida em Moçambique, em seu poema Ao Ritmo da Memória).

Duas colegas de trabalho, que também amavam embondeiros, resolveram fazer tatuagens da árvore. Não gostei, parecia que tinha uma árvore de terror só com os galhos. Um embondeiro precisava de mais... Foi quando pesquisando pela internet achei a ideia que precisava:




Uma mulher com o cabelo de embondeiro... essa a representação perfeita do que eu queria expressar: a força e coragem da mulher Moçambicana e a admiração pela árvore que para mim é símbolo de Moçambique. Fiz outras procuras e dois desenho complementaram a ideia.












No dia 28 de dezembro de 2011, fui com a minha grande amiga, comparsa e fotógrafa Ana Bia Aguilar fazer a tatuagem.

Início da tatuagem, o local onde fiz se chama Artink

Não tinha mais jeito de fugir, faltava apenas colorir

Processo finalizado
Assim que vi a tatuagem finalizada tive 2 pensamentos: 1) Amei; 2) É muito grande! O segundo logo esqueci quando me falaram: Você não é pequenininha para ter uma tatuagem pequena, ela está ideal para você! Esse post poderia terminar aqui, se não fosse um livro que me emprestaram e que aumentou a minha admiração pela garra da mulher moçambicana. O livro se chama Niketche, e sua autora é a moçambicana Paulina Chiziane. O livro conta a história de Tony, um alto funcionário da polícia e sua mulher Rami, casados há 20 anos. Certo dia, Rami descobre que o marido é polígamo: tem outras 4 mulheres e vários filhos. As esposas de Tony estão espalhadas pelo país. Numa decisão surpreendente, Rami decide ir atrás das mulheres do marido. O romance retrata a busca de Rami como uma incursão pelo desconhecido e uma tentativa de lidar com a diferença, simbolizada pelas amantes do marido. Poderia tentar explicar mais, mas prefiro deixar 3 trechos do livro para reflexão....

Cartaz da peça baseada no livro

"Não sou possessiva. Venho de uma terra onde a solidariedade não tem fronteiras. Venho de um lugar onde se empresta o marido à melhor amiga para fazer um filho, com a mesma facilidade com que se empresta uma colher de pau. Na minha comunidade o marido empresta uma esposa ao melhor amigo e ao ilustre visitante. Na minha aldeia, o amor é solenemente partilhado em comunhão como uma hóstia. O sexo é um copo de água para matar a sede, pão de cada dia, preciosos e imprescindível como o ar que respiramos." (página 83)

"Andei de casa em casa, de boca em boca. Fiz uma sondagem de opinião à volta da minha história. Perguntei às mulheres: o que acham da poligamia? Elas reagiram como gasolina na presença de um pavio aceso. Explosão, chamas, lágrimas, feridas, cicatrizes.  A poligamia é uma cruz. Um calvário. Um inferno. Um braseiro. E cada uma conta sua história, trágica, fantástica, comovente. Pergunto aos homens: o que acham da poligamia? Escuto risos cadenciados como o gorjear das fentos. Vejo sorrisos que esticam os lábios de orelha a orelha. As glândulas salivares entram em acção como se estivesse a servir um manjar de agradável paladar. Há aplausos. Poligamia é natureza, é destino, é nossa cultura, dizem. No país há dez mulheres por cada homem, a poligamia tem que continuar. A poligamia é necessária, as mulheres são muitas." (página 104)

"- Ah. vocês, mulheres do sul! - diz a Saly com sorriso sarcástico. - Ter filhos de pais diferentes não é fraqueza. Antes pelo contrario, uma mulher assim amou muito e foi amada. É experiente. Teve a sorte de ser desejada por muitos, a vida é feita de tentativas, falha aqui, acerta ali, qual é o problema?" (página. 174)